domingo, 25 de abril de 2010

Prólogo - Página 4

– Então ela não nos abandonou?
– Como assim?
– Se ela lhe deu esse objeto, é porque temos uma chance... o que ela disse?
– Que se eu ajudar você, e provar que não quero o seu dinheiro, você será recebido de volta.
– Então deixe esse objeto sempre perto de você, Irina – indicou ele sério – isso significa que minha mãe não está totalmente contra o casamento. E se ela lhe deu isso, é para que você se mostre para ela como se mostrou para mim. Uma moça adorável e bondosa. Tudo ficará bem, meu amor.
Finalmente Carlos relaxou, havia uma esperança, afinal. Sua mãe nunca aplicaria o seu conhecimento em vão, se não tivesse dúvidas e um lugar no coração para Irina. Em menos de um ano, estariam todos juntos, ele assumiria o lugar do pai e esse finalmente poderia descansar.

Irina guardou a pedra dentro de um baú, e essa ficou lá por três meses. Durante três meses Carlos procurou emprego e não encontrou. Foi para São Paulo, mas ninguém se interessou, pois todos estranhavam o fato do filho de uma das famílias mais tradicionais de Minas Gerais não estar trabalhando para o pai. Todos acreditavam que deveria ser incompetência.
No quarto mês, Irina olhou para o céu e observou a lua cheia. Ela sabia que estava grávida, mas não tinha coragem de contar ao marido. O dinheiro havia acabado e eles estavam vendendo os presentes do casamento para poder comer. Foi quando lembrou da pedra e resolveu, por uma noite, acreditar na mulher que era sua sogra. Rezou três pai-nossos, quatro aves-maria e um salve rainha. Com a pedra apoiada na barriga, dormiu.

Prólogo - Página 3

– Então irei rezar que o destino me traga isso. Tenho certeza que a jovem Clara pode espera-lo. – sem se importar com o rosto espantado do filho, o beijou no lado direito do rosto antes de se dirigir a sua nora.
Caminhando lentamente, chegou perto da moça, por um momento se encararam em silêncio, os olhos de Elvira não disfarçavam o desprezo, assim como os de Irina não escondiam a vitória.
– Minha cara – começou tranqüilamente – trouxe-lhe esse presente.
Irina arregalou os olhos, surpresa.
– Obrigada Elvira.
– Não agradeça. Esse é um objeto para trazer riqueza e felicidade. Não sorria, com o presente que dei ao meu filho vocês irão precisar.
– Iremos?
– Sim, ele foi deserdado dos negócios do pai. Mas se você ajuda-lo a crescer, provando que não está com ele apenas pelo o dinheiro, posso mudar a minha opinião sobre o seu caráter.
– Devo agradecer a sua sinceridade Elvira? Não tenho nada a provar para você.
– A decisão é sua. Aqui está o seu presente, use-o se desejar.

No carro Carlos apresentava um olhar desolado, perdendo todo o brilho de felicidade anterior. Sem saber o que fazer, Irina lembrou do pacote e o abriu. Dentro havia uma pedra retangular de aproximadamente dez centímetros. Conforme o brilho da lua refletia no objeto, reflexos amarelo-escuro e rosa surgiam.
– O que é isso? – perguntou Carlos
– Um presente de sua mãe. – disse Irina – conforme ela, é um objeto que atrai felicidade.
Um sorriso surgiu no rosto de Carlos.

Prólogo - Página 2

Elvira saiu rapidamente, cumprimentou mais algumas pessoas até chegar na mesa observada. Olhou para o senhor grisalho ali sentado, com um rosto sisudo, enquanto a mulher que o acompanhava bebia uma taça de champagne e conversava com outro casal.
– Doutor Alcides.
– Madame Elvira. – E sem pronunciar nenhuma outra palavra, lhe entregou disfarçadamente um maço de papeis.
Elvira retirou o xale dos ombros e os escondeu, conversando rapidamente com os demais membros da mesa. Sem delongas, despediu-se e dirigiu-se a mesa central.
– Assine – disse baixinho enquanto passava os papéis para o marido.
– Não acredito – ele exclamou – você realmente quer expulsar nosso filho de casa?
– E dos negócios. Não podemos permitir que essa...essa...essa qualquer tire qualquer coisa nossa. Mas não se preocupe, meu amor – disse docemente – esse casamento não irá durar muito... e teremos nosso filho de volta.
Sem discussão, ele assinou os papéis e Elvira os juntou com outra caixa. A festa se encaminhava para o final, os noivos se preparavam para sair quando Elvira se aproximou:
– Carlos, meu filho, isso é para você. – disse sorridente, enquanto lhe dava os papéis.
– Mudou de idéia mamãe?
– Não. – e com um sorriso ainda maior – esse é o resultado da nossa conversa. Oficializado.
– Não estou lhe entendendo mãe – e abrindo os papéis – Estou sendo expulso de casa? – exclamou enquanto os olhos passavam pelos parágrafos.
– Enquanto você estiver com ela – Elvira apontou com olhos – Sim. Você deveria saber que eu nunca ameaço. Boa sorte meu filho, espero que recupere a lucidez logo.
– Nunca vou abandonar Irina, Dona Elvira. Eu a amo.

Prólogo - Página 1

Belo Horizonte, 1940
No salão, todos os poderosos de Minas Gerais. Garçons serviam iguarias francesas em pratos de porcelana, enquanto os convidados abriam guardanapos de linho e degustavam champagne em copos de cristais. Na mesa central, um jovem de cabelos pretos muito sorridente levava aos lábios a mão da jovem ruiva, de frios olhos verdes. Com o vestido branco rendado, cheio de pérolas, lembrava uma princesa russa. Mas não passava de uma vulgar emigrante encontrada por seu filho.
Com esse pensamento, Elvira atravessou o salão com um sorriso congelado nos lábios. Com movimentos leves, o seu longo vestido azul mal tocava o chão. O único contraste em sua figura era a mão esquerda, que ela abria e fechava várias vezes, como se estivesse sentindo alguma dor.
– Madame Elvira. A festa está maravilhosa. – uma convidada lhe tomou o braço.
– Madame Sílvia. É uma honra ouvir essas palavras da mulher mais elegante de Belo Horizonte.
– Imagina. – O sorriso de Madame Sílvia se ampliou. Ela continuou falando amenidades, Elvira apenas sacudia a cabeça. Mas seus olhos passavam por todas as mesas até localizar quem desejava.
– Madame Sílvia. Prometo sentar em sua mesa em instantes para continuarmos nossa conversa. Mas um dos convidados está me chamando.
– Claro. Como mãe do noivo você deve circular. Mas vou ficar lhe esperando.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Minha avó não tinha bula

Frascos!!!!

Frascos pelos armários, pelos sofás, em todo o lugar. Janelas fechadas porque naquele dia uma aranha havia lhe dado uma picada em seu braço. No verão de 40 graus, ela não nos levava ao parque porque deveria ficar deitada e tapada com dois cobertores devido a um novo vírus. Bolo?! Sem tempo. Necessário entrar na fila para marcar consulta na primeira hora da manhã. Seus carinhos vinham como uma caixa de comprimidos vazios, não surtia benefício algum para quem o procurava, e também não adiantava ler a bula, pois não havia como ministrá-la.

As férias eram misturas de solidão e tortura, não conhecia histórias, nem brincadeiras, muito menos cafunés. Soberano o rádio sintonizado na Farroupilha com notícias trágicas e jornais baratos anunciando a doença da moda. Sentada na guarda de um grande sofá, olhando pela janela, restava-me atormentar a prima mais nova, puxando-lhe os cabelos e dizendo para não gritar, isso causaria um ataque cardíaco na criatura.

Ela acalentava um ódio mortal pelo marido, único que a fazia ter atitudes enérgicas. Durante a convivência, o culpou por um suposto câncer de mama. Ao despejá-lo, o culpou pela dor de garganta matinal e de estar ficando cega (apesar de enxergar um letreiro de ônibus a distância). Mulher de egoísmo estranho, talvez nem fosse humana: olhar de bicho. De gestos frios com a filha mais velha, zelava um baú, com as roupas de um filho morto por doença de verdade.

A casa virou um apartamento, minha avó não faleceu, entretida com o excesso de sintomas. Sua bombinha para asma esguicha como aerossol. Procuro em cada vizinha uma senhora bondosa com vontade de me adotar. A saudade do que não fui não deixa de ser uma doença.

* Texto escrito na oficina de crônicas com o Fabrício Carpinejar - 2007.